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Resenha: PÁDUA, Antônio B.; PÁDUA, Cléia G.; SILVA, João L. C. A História da Termodinâmica Clássica - Uma ciência fundamental.

 


Livro:              A história da Termodinâmica Clássica: uma ciência fundamental.

Autores:          Antônio Braz de PÁDUA, Cléia Guiotti de PÁDUA, João Lucas Correia SILVA.

 

Resenha por:    Gerson Anderson de Carvalho Lopes

 

            “A história da Termodinâmica Clássica – uma ciência fundamental” é um livro excelente tanto para professores que desejam enriquecer suas aulas com o conteúdo histórico, quanto para estudantes universitários que estejam e aprofundando no estudo da Termodinâmica, no qual é essencial compreender o desenvolvimento histórico dessa ciência.

            Esta obra aprofunda o suficiente no tema para oferecer uma descrição e análise além do superficial, mas sem que seja demasiado extenso. Sua apreciação é melhor para quem já possui uma base conceitual da própria termodinâmica, pelo menos dos conceitos fundamentais como temperatura, calor, energia, trabalho e entropia. Não se trata de uma obra de divulgação científica, então pode parecer um tanto quanto técnico para o leitor inexperiente; ainda assim, não o é em demasia e se oferece com um ótimo material de estudo.

            Se o leitor, por sua vez possui uma base da Termodinâmica em nível de ensino médio, este livro provavelmente o apresentará a alguns conceitos, como a terceira lei da termodinâmica, que não costuma ser muito abordada no nível médio, e talvez tenha contato com algumas teorias pela primeira vez, como a teoria cinética dos gases ou os princípios de mecânica estatística.

            O livro é dividido em cinco capítulos, com diferentes estilos de redação, o que ajuda a variar o ritmo da leitura, tornando-a mais agradável e dinâmica. É possível perceber a existência de três partes distintas, em que os capítulos 1 e 2 são as duas primeiras partes, e os capítulos 3, 4 e 5, por seu estilo similar, compreendem uma terceira parte do livro.

            O primeiro capítulo, e também a primeira parte, denominado “preâmbulos”, os autores definem a Termodinâmica e seu objeto de estudo, o calor; motivam historicamente o estudo desta ciência, mostrando sua relação com a Revolução Industrial e sua importância para compreender aplicações ainda no momento atual (refrigeradores, motores de combustão interna dos veículos, aquecedores, turbinas a gás, motores a jato, etc.); e situam a Termodinâmica dentro de um panorama geral da física, em que diferenciam a física anterior a 1900, chamada Física Clássica, e a posterior a essa data denominada Física Moderna. Nesse capítulo os autores situam a Termodinâmica como um dos pilares da Física Clássica, junto da Mecânica e do Eletromagnetismo. A Física Moderna, por sua vez, compreende a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade. Há ainda a Mecânica Estatística que cumpre aparentemente uma função de transição da era Clássica para a era Moderna, tendo nascido no seio da Termodinâmica e depois se unindo à Mecânica Quântica. Já os desenvolvimentos recentes, que fogem ao tema desse livro e são apenas mencionados, são parte da chamada Física Contemporânea.

            O segundo capítulo, ou segunda parte, é uma magnífica cronologia da termodinâmica desde a descoberta do fogo até a contemporaneidade, uma linha do tempo que organiza e detalha os acontecimentos pela ordem em que ocorreram historicamente, bem como seus autores. Apesar deste estilo de apresentação ser criticado por muitos historiadores da ciência, neste livro ele veio bem a calhar e funciona muito bem, pois os autores analisam criticamente os acontecimentos e aproveitam a cronologia para apresentar os principais cientistas que participaram do desenvolvimento da Termodinâmica, inserindo curtas biografias junto da citação dos desenvolvimentos. Não somente isso, mas esse capítulo também funciona como um “índice” ao qual o leitor pode retornar quando estiver lendo os capítulos posteriores para relembrar determinado cientista e seu feito.

O motivo da crítica de alguns historiadores, principalmente os que seguem a linha de Toynbee, a este estilo de abordagem histórica é que eles acreditam que, neste estilo de narrativa, passa-se uma falsa ideia de que a ciência, ou a ainda a própria história, é linear, sempre progressiva, enquanto que na realidade o que se observa é a ocorrência de diferentes desenvolvimentos paralelos, contemporâneos, algumas vezes até antagônicos, e ainda reviravoltas e retrocessos, de modo que a história seria realmente cíclica e oscilante. Particularmente, eu concordo com a não-linearidade da história e que uma abordagem estritamente cronológica é falha, entretanto no livro em questão esse capítulo funcionou muito bem, pois ele se encaixa como parte de um todo mais completo. Ou seja, o livro traz as duas abordagens da história da Termodinâmica, uma mais cronológica e outra mais conceitual e analítica, e faz um paralelo entre as duas.

            No terceiro capítulo, que inicia a terceira parte, trata-se conceitualmente a Termodinâmica Clássica ou de Equilíbrio. São explicados os seguintes assuntos que, nas palavras dos autores, “formaram, historicamente, o arcabouço da Termodinâmica”: termometria, calorimetria, natureza do calor (teoria do calórico e teoria mecânica do calor), máquina a vapor, equivalente mecânico do calor, e a primeira e a segunda lei (“A energia do universo é constante” e “A entropia do universo se aproxima de um máximo”, conforme enunciadas por Clausius em 1865). A lei zero e a terceira lei foram formuladas posteriormente.

            Já no capítulo 4 esse mesmo tema é tratado segundo o aspecto postulacional, ou formalista que foi iniciado pelo início do século XX e busca uma aproximação “formal lógica alternativa da Termodinâmica”, assim como foi realizado anteriormente para a Mecânica com as leis de Newton e com o Eletromagnetismo no formalismo de Maxwell. Para essa abordagem, escolhe-se um conjunto de grandezas fundamentais primárias, por exemplo a entropia e a energia interna, a partir delas obtêm-se as demais grandezas termodinâmicas como temperatura e pressão como grandezas derivadas.

            O capítulo 5 fecha a terceira parte falando de modo sucinto sobre a Mecânica Estatística e a Termodinâmica fora do Equilíbrio. Comenta-se como a descrição dos sistemas do ponto de vista macroscópico da Termodinâmica aos poucos migrou para uma abordagem em termos microscópicos na Mecânica Estatística. Explica-se ainda como, ao sair do universo de equilíbrio da Termodinâmica para o universo dos sistemas fora do equilíbrio, abriu-se o caminho para o estudo de flutuações, instabilidades e processos em evolução. Foi por causa desse aspecto que conceitos como irreversibilidade, imprevisibilidade e auto-organização se tornaram mais recorrentes, e o que antes era um problema de física e engenharia, agora encontra aplicações nas ciências humanas, economia, astrofísica, cosmologia, inteligência artificial, redes neurais, química e especialmente, biologia. Porém a maioria desses tópicos é apenas mencionado e deixado para pesquisas posteriores por parte do leitor.

            Umas das vantagens desta obra em relação a outras do gênero é o fato de não se furtar em utilizar de equações, quando seja pertinente, por se tratar de um livro de enfoque histórico. Se um autor se dedica a abordar a história de uma ciência é fundamental apresentar também os desenvolvimentos das suas formulações matemáticas, de modo que o leitor conheça de onde elas surgiram, o que significam, e a sua importância no corpo da teoria.

            Outro ponto positivo do livro é o de sempre citar, nominalmente, o cientista responsável por uma descoberta, pela realização de um experimento ou um desenvolvimento teórico, citando ainda a data ou momento preciso em que tal fato se deu, bem como o local do acontecimento. Os autores acertam ao dar crédito aos cientistas, do mesmo modo que evidenciamos o autor de uma obra de arte. Apesar de não ser vista assim pela maioria das pessoas, a ciência, tanto quanto a arte, é parte da cultura e produção humana.

Em muitos outros livros de história da ciência são comumente encontradas frases e expressões vagas do tipo “no século XIX foram formuladas as leis da Termodinâmica”, “os cientistas decidiram estudar a máquina a vapor”, “a máquina a vapor surgiu na Inglaterra por volta de 1800”, etc. Isto não só desvaloriza e não reconhece o indivíduo responsável pelo avanço científico como ainda afasta a ciência do leitor comum. A ciência aparece despersonalizada, como se fosse uma entidade independente que “surge” em determinado momento e “desenvolve-se” aparentemente de modo independente. Se “foram formuladas” leis, é preciso dizer por quem foram formuladas; se “os cientistas” resolveram investigar a máquina a vapor, é preciso dizer quais cientistas, e com que motivação o fizeram; se a máquina a vapor “surgiu” na Inglaterra, é preciso especificar como surgiu, por obra de quem, e por que razão. E os autores da obra que ora resenho o fazem muito bem.

            Recomendo aos interessados em conhecer mais sobre a termodinâmica a leitura dessa obra, especialmente a professores e estudantes de física, química e engenharia. Um estudo desse livro em paralelo com a termodinâmica estudada em física II, físico-química ou disciplinas específicas certamente auxiliará a ordenar as ideias e tornar o aprendizado mais significativo.

 

Macapá-AP, 12 de abril de 2021.

Meus agradecimentos à Tayane Sigrid pela revisão do texto.

Comentários

  1. Muito bom ver seu trabalho professor👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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  2. Fiquei com muita vontade de ler esse livro agora, professor ...muito boa resenha!

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    Respostas
    1. Obrigado Aleck. Essa era mesmo a intenção. Fico satisfeito.

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  3. Olá professor, sou professora de Ciências e Biologia e li o seu trabalho, o qual, com certeza traz para cada leitor, um interesse pela obra de Chassot, pois sem dúvida, a maneira como você apresenta o trabalho, é bastante atrativa e estimulante na busca pelo conhecimento da história da Ciência. Grata por compartilhar! Gostaria de ter acesso à outras resenhas de obras tão importantes, como essa! Abraço!

    OBS.: Não consegui fazer o comentário, logo abaixo da referida resenha!

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    Respostas
    1. Olá Vânia! Fico lisonjeado que você apreciou a minha resenha! Sou também um apaixonado pela História da Ciência e professor, assim como você!
      Sim, seguirei postando resenhas nesse blog e no Filo-Reflexões. Convido-a a conhecer também meu canal do YouTube: https://www.youtube.com/@gersonandersonfisicoquimico
      Até a próxima!

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