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Resenha: FEYNMAN, Richard. Só pode ser brincadeira, Sr. Feynman! – As excêntricas aventuras de um físico

Livro:               Só pode ser brincadeira, Sr. Feynman! – As excêntricas aventuras de um físico.

Autor:              Richard P. Feynman.

 

Resenha por:    Gerson Anderson de Carvalho Lopes

 

            A imagem que se construiu dos cientistas ao longo de muitas décadas, talvez séculos, é a de um indivíduo sempre sério, preocupado sempre em dar respostas lógicas a tudo, não muito afeito ao humor ou a apreciar a vida e, de certo modo, até antissocial, preferindo ficar recluso em seu laboratório ou em seu escritório, evitando as pessoas sempre que possível. Bem, esse não era o caso de Richard P. Feynman, um dos maiores físicos do século XX, ganhador do prêmio Nobel em 1965, reconhecidíssimo por desenvolver e consolidar um dos campos da ciência – a eletrodinâmica quântica. Feynman, que escreve esse livro autobiográfico, é um sujeito alegre, divertido, sempre curioso, agitado, com suas qualidades e defeitos, como qualquer pessoa, e nada disso o torna menos brilhante ou respeitável enquanto cientista. Alguns diriam que parte de sua boa e grande reputação vem justamente daí.

            O livro é uma coletânea de histórias sobre Feynman, contadas por ele mesmo e reunidas por amigos, em especial o parceiro de Feynman em tocar percussão Ralph Leighton, que relata isso antes do prefácio. Por sinal, prefácio esse escrito por Bill Gates, que revela ter se encantado ao assistir as palestras gravadas de Feynman nos anos oitenta e fez com sua empresa as disponibilizasse gratuitamente online. As histórias do livro são bem como o subtítulo do livro as descreve: excêntricas! Histórias de alguém que viveu intensamente!

            Um de seus ex-alunos, Albert R. Hibbs, no entanto, adverte: Eu espero que estas não venham a ser as únicas memórias de Richard Feynman. [...] ele (o livro) mal toca naquilo que foi a essência de sua vida: a ciência. Ela se deixa entrever aqui e ali, como cenário de um caso ou outro, mas nunca como o foco de sua existência, o que de fato foi.”. De fato, Feynman não teria se tornado o grande cientista que foi se a ciência não fosse o foco de sua vida.

Além disso, Feynman se destacou como um grande professor de Física. São famosas até hoje suas “Lectures on Physics”, várias vezes editadas e publicadas em vários idiomas. Como afirmou o próprio Hibbs: “Não era nenhuma piada secreta que provocava o sorriso e o brilho em seus olhos. Era a física. A alegria da física! Aquela alegria era contagiante. Agora é a oportunidade de vocês, leitores, serem expostos à alegria da vida ao estilo de Feynman.”.

            Foi com esse espírito de empolgação, já demonstrado nesse início, que li esse livro no primeiro semestre de 2023! Eu já o conhecia por trechos desde minha graduação, pois lembro de ter ouvido numa palestra ou numa aula que Feynman certa vez havia criticado o sistema educacional brasileiro, e tinha colocado isso num livro. Anos depois encontrei na internet o trecho em que, de fato, ele faz isso, quando afirma que nossas universidades (pelo menos nos cursos de física) não ensinam a formar cientistas – investigadores, pessoas curiosas a respeito da natureza – e sim resolvedores de problemas e questões de livros.

            Quando precisei escrever um artigo junto a outros amigos professores, que tratava do ensino de física[1], busquei o livro original para poder citar esse trecho e, sem me conter, tive que ler o livro todo, tamanha era a característica cativante deste! Descobri muito mais do que a experiência de Feynman no Brasil que, aliás, foi muito mais interessante do que a crítica de que falei. Ele conheceu importantes físicos nacionais como Jaime Tiomno, César Lattes e outros, aprendeu português, deu aula em nossas universidades e se inseriu bastante em nossa cultura, chegando até a tocar em uma bateria de escola de samba!

O livro é divido em cinco partes, que obedecem, aproximadamente, uma relativa ordem cronológica, mas também pode se perceber que há uma divisão temática. A parte 1 trata da juventude de Feynman, inclusive dos anos em que se formou no MIT; A parte 2 aborda os anos de Princeton, já na pós-graduação. A parte 3 nos conta um pouco dos acontecimentos durante a participação de Feynman no Projeto Manhattan. A Parte 4 conta várias experiências de Feynman no seu período como professor, inclusive as suas viagens ao brasil e ao Japão. Por fim, a parte 5 aborda vários assuntos relacionados ao “mundo de um físico”, sob a visão de Feynman.

            Ao longo do livro, passamos a conhecer alguns aspectos da personalidade de Feynman, como sua habilidade para consertar rádios, tocar bongô e outros instrumentos de percussão, sua perícia em descobrir segredos de cofres, decifrar hieróglifos Mayas, e até seu trabalho como pesquisador numa empresa de química antes de se tornar professor universitário.

Feynman era o tipo de sujeito que gostava de investigar tudo: no livro vemos como ele não simplesmente negava quando havia algo que outras pessoas afirmavam ser verdade, mas sim buscava perguntar, observar e questionar, inclusive experimentar por si próprio, por exemplo quanto à natureza dos sonhos, hipnose, telepatia, sobre a habilidade de reconhecer pessoas pelo cheiro e até sobre medicina, no caso da doença que acometera sua esposa.

            Em vários pontos da história, é interessante perceber os encontros de Feynman com outras personalidades importantes do mundo da ciência, e sua interação com eles. Nomes como Albert Einstein, Robert Oppenheimer, John von Neumann, Hans Bethe, Wolfang Pauli, Enrico Fermi entre outros acabam aparecendo nesse livro, e isso também nos dá um pouco da ideia de como eram esses cientistas, mais além das suas obras, que muitas vezes são as primeiras coisas conhecidas sobre eles.

            As histórias narradas sobre a época do projeto Manhatan passam um pouco da ideia de como era o clima entre os cientistas e o povo na época, as ideologias que circulavam, informações restritas, as pressões que todos sofriam, e nos faz refletir também como a história da ciência se interliga com a história política da humanidade, o modo como uma influencia a outra e os cuidados que se deve ter quanto a isso. Já na parte do Feynman docente, podemos perceber a paixão que ele possuía por ensinar e aprender com seus alunos, não importando-se tanto com o lado financeiro ou com as “utilidades” do conhecimento, e sim, com o conhecimento em si.

            Há vários outros aspectos fascinantes do livro, que ficará a cargo do leitor descobrir, sobre suas investigações científicas, relatos dramáticos a respeito da vida pessoal do autor, como a morte de sua primeira esposa, algumas relações complicadas de trabalho e sua luta contra a censura, outros relatos mais alegres e descontraídos, como histórias de viagens, festas e bares, mas todas interessantes a ponto de não poderem ter sua leitura interrompida nem por um instante!

            Tenho certeza de que tanto o leitor que já conhece algo da história da Feynman, quanto o que não conhece, apreciarão esse livro.

Macapá, 26 de setembro de 2024.

 


[1] Este artigo acabou virando um capítulo de livro chamado “Origens e recorrências de concepções alternativas no ensino de física”, publicado no livro “Temas em Educação – Olhares interdisciplinares, reflexões e saberes. Vol. 4”. 


Extra:   Certa vez, em 2021, eu tirei uma foto para postar nas redes sociais que tinha uma legenda mais ou menos assim: “Um professor de física se preparando para gravar uma aula no sábado”. Ao ver essa foto, meu amigo Vitor Perez, também físico, comentou em um grupo do qual fazemos parte, que eu tirei uma foto parecida com as fotos de Feynman. Eu gostei disso e depois postei as duas fotos juntas. Agora compartilho-as aqui com vocês.



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