Autor: Edward Frenkel.
Resenha por: Gerson Anderson de Carvalho Lopes
“Amor e Matemática” é um livro de divulgação científica
atual e de alto valor para quem gosta de ciência e para quem está se
interessando pelo mundo científico pela primeira vez. Com seu estilo
informativo, mas ao mesmo tempo narrativo, a obra é brilhante por dois motivos,
que passo a explicar.
O
primeiro motivo se refere ao público leigo. Para estes, a obra é um convite a
quebrar os preconceitos e estigmas sobre a matemática ser fria, rígida e
distante do mundo que é vivenciado cotidianamente. O livro mostra uma
matemática cheia de paixão e entusiasmo, um caminho de descoberta instigante e
desafiador, tanto para o cientista que busca desvelar uma lei oculta da
natureza quanto para o estudante que caminha pelas trilhas dos grandes mestres
entendendo cada vez mais o mundo do qual ele faz parte.
O
segundo motivo se refere ao leitor mais familiarizado com a matemática. Para
este, a obra dá muitas dicas de áreas de pesquisa e estudo atuais, apresenta
conceitos matemáticos além daqueles que são vistos em um curso de graduação e
oferece um entendimento geral sobre as áreas da matemática moderna.
Publicado em 2013, este livro não se tornou best
seller por acaso. A obra mescla relatos da carreira científica do autor com
a apresentação de conceitos matemáticos usados por ele em suas pesquisas de
maneira magistral. As partes narrativas dão um bom equilíbrio à leitura, oferecendo
um contraste harmônico de estilo com a parte explicativa, e assim o leitor
avança sempre um bom número de páginas por vez. Questões de relevância
sociocultural e histórica, como o antissemitismo enfrentado pelo autor em sua
juventude nas universidades russas, são apresentadas de forma concatenada com as
noções matemáticas a cada capítulo de modo tão eficaz que não se percebe a
existência de dois assuntos, mas sim de um texto único, coeso e profundo.
Em seu prefácio, o autor apresenta a importante
problemática referente à aversão e repulsa que muitas pessoas têm pela
matemática, e faz uma comparação com a situação hipotética (e até absurda) que
aconteceria caso uma pessoa afirmasse que a mera ideia de contemplar um quadro,
ler um poema ou ouvir uma música lhe causasse tamanho incômodo e desagrado,
isto é, “um suplício insuportável”.
Por mais que a arte e a matemática sejam igualmente formas de expressão
da criatividade e do potencial intelectual humano, por que reações tão diversas
se apresentam a cada uma?
O autor se propõe a responder à questão acima levantada.
Segundo ele, um dos problemas está em que a matemática atual ficou restrita ao
mundo dos matemáticos, não alcançou o grande público. Ele diz: “e se na
escola você tivesse uma aula de artes em que somente lhe ensinassem a pintar
uma cerca? E se nunca lhe mostrassem as pinturas de da Vinci e Picasso? Você
gostaria de aprender mais a respeito do assunto?” Frenkel duvida que a
resposta da última pergunta seja sim. Enquanto as pinturas dos grandes mestres
estão prontamente disponíveis, a matemática dos grandes mestres ficou guardada
a sete chaves.
Visando desvelar a matemática que é desconhecida do
público, mas que está presente sempre que “fazemos uma compra on-line,
enviamos uma mensagem de texto, fazemos uma busca na internet ou utilizamos um
GPS”, o autor discorre pelos capítulos ensinando sobre grupos de simetria,
operações módulo um número primo (novos sistemas numéricos em que 2 mais 2 nem
sempre é 4), belas formas geométricas como as superfícies de Riemann e
incríveis novos objetos matemáticos além de números e formas (pelo menos foram
novos para mim), como tranças, feixes e variedades.
Para se ter uma ideia da incrível didática e
inteligibilidade da escrita de Frenkel, transcrevo um dos exemplos usados por
ele no livro, que diz ter aprendido de um de seus professores em Moscou: “As
pessoas acham que não entendem matemática, mas é tudo uma questão de como
explicamos para elas. Se você perguntar a um bêbado que número é maior, 2/3 ou
3/5, ele não será capaz de dizer. Mas se você reformular a pergunta: o que é
melhor, 2 garrafas de vodca para 3 pessoas ou 3 garrafas de vodca para 5
pessoas, ele lhe responderá de imediato: 2 garrafas para 3 pessoas, é claro.”
O leitor que gosta de matemática revisitará famosos temas
que aparecem subjacentes às discussões, como as sequências de Fibonacci e o
último teorema de Fermat. O leitor iniciante será apresentado a estes tópicos e
outros como o programa de Langlands e álgebras envolvendo loops. Esses
conceitos, aparentemente abstratos demais, são demonstrados por Frenkel como
sendo as bases ocultas de diversos avanços em outras áreas e outras ciências. Tomando
apenas o caso da física, as simetrias explicadas no capítulo 2 são um dos
fundamentos da mecânica quântica; as curvas e superfícies de Riemann bem como a
métrica da 4ª dimensão apresentadas no capítulo 9 são a essência da teoria da
relatividade geral; já os espaços de loops, capítulo 10, estão no cerne
da teoria das cordas. O autor dá ainda aplicações em biologia, computação,
medicina, entre outras.
Muitas passagens do livro chegam realmente a serem emocionantes,
sem exagero, e faço questão de citá-las na íntegra. Por exemplo, quando Frenkel
fala de sua primeira descoberta original em matemática: “De repente, como
num passo de mágica, tudo ficou claro para mim. O quebra-cabeça se completou e
a imagem final se revelou plena de elegância e beleza, num momento que sempre
me lembrarei e tratarei com carinho. Foi uma sensação incrível de elevação, que
fez todas aquelas noites em claro valerem a pena. Pela primeira vez na minha
vida, tinha em meu poder algo que ninguém mais no mundo tinha. Era capaz de
dizer algo novo a respeito do universo. Não era a cura do câncer, mas era uma
peça valiosa de conhecimento, e ninguém poderia tirá-la de mim. Se você
vivenciar essa sensação uma vez, vai querer vivenciá-la de novo. Foi a primeira
vez que aconteceu para mim e, como o primeiro beijo, tornou-se muito especial.
Soube, então, que poderia me considerar um matemático.”
Outro exemplo emocionante é o belíssimo trecho do autor
sobre ser professor, em que ele cita seus professores e alunos: “Indubitavelmente,
Borya é um dos matemáticos mais originais de sua geração [...], ele me orientou
no país das maravilhas da matemática moderna, cheio de beleza mágica e harmonia
sublime. Agora que tenho meus alunos, valorizo ainda mais o que Borya fez por
mim (e o que Evgeny Evgenievich e Fuchs fizeram por mim antes). É duro ser
professor! Em vários aspectos é como ter um filho. Você tem que se sacrificar
muito, não pedindo nada em troca. Claro que as recompensas também podem ser
enormes. Mas como decidir a direção a indicar aos alunos, quando dar-lhes
assistência e quando jogá-los em águas profundas e deixá-los aprender a nadar
sozinhos? Isso é arte. Ninguém pode lhe ensinar como fazer isso.”
Encerro dizendo que o leitor encontrará um livro rico, incluindo
alternância de gênero textual (por exemplo no capítulo 15, quando ele muda para
um roteiro de peça teatral, um diálogo que lembra muito o estilo de O mundo
de Sophia ou O teorema do papagaio), cheio de explicações brilhantes
sobre ideias matemáticas complexas como grupos de Galois e funções automorfas,
mas também completo em exemplos da relação entre paixão e matemática, como a
ideia da Monodromia do Amor, e ainda reflexões filosóficas profundas, como a
existência da matemática em um mundo próprio, abstrato e independente, numa
clara alusão à Teoria das Ideias de Platão.
Num momento crítico como o que vivenciamos no século XXI,
em que a desinformação ameaça destruir séculos de consolidação científica, em
que o papel dos cientistas e educadores de ensinar, educar e informar se faz
mais crítico e essencial para desenvolver a consciência em todos os níveis, é
fundamental o esforço de pessoas com Frenkel, que buscam revelar a essência das
ciência outrora oculta, trazendo os indivíduos para o caminho seguro do conhecimento.
Nada melhor para fechar esta resenha do que as próprias palavras do autor: “Meu
sonho é que um dia todos nós nos daremos conta dessa realidade escondida. Dessa
maneira, talvez possamos ser capazes de deixar de lado nossas diferenças e nos
voltarmos para as profundas verdades que nos unem.”
Macapá-AP, 24
de outubro de 2020.
Apaixonante deve ser o livro. Pelo menos, apaixonante é a resenha. O "resenhista" é habilidoso ao ponto de a expectativa pelo livro ser como a contagem regressiva pelo ano novo: sabemos que vai chegar, estamos contando os segundos, e no entanto estamos empolgados, indo rumo ao futuro, ao desconhecido. Fiquei tentado a ler o livro de Frenkel, apesar de alguns temas serem totalmente novos a mim. Mas a resenha afasta o medo do conhecimento novo e cria uma coragem, uma pequena paixão, quem é ela? Essa é mesmo a Matemática? Espero ter a oportunidade de ler o livro e que a paixão pela matemática venha, como prometido nessa resenha.
ResponderExcluirÉ essa a proposta do autor, conforme ele mesmo explica no prefácio: despertar o interesse do público. Muitos temas são novos sim, alguns previsam ser lidos mais calmamente, mas o livro como um todo cumpre o que se propõe: informa e atrai.
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